Depois de seis anos vivendo discretamente, ele estava impaciente para começar um verdadeiro trabalho de espionagem.
“Ninguém quer se sentir um perdedor”, escreveu ele, em um inglês falho, em uma mensagem de texto enviada em 2021 para sua esposa russa, que também era agente de inteligência. “É por isso que continuo trabalhando e tendo esperança.”
Ele não estava sozinho. Durante anos, segundo uma investigação do jornal americano New York Times, a Rússia usou o Brasil como ponto de partida para seus agentes de inteligência de elite, os chamados “ilegais”. Em uma operação audaciosa e abrangente, esses espiões apagaram os rastros de seu passado russo, abriram negócios, fizeram amigos e tiveram casos amorosos — experiências que, ao longo de muitos anos, tornaram-se os alicerces de identidades novas.
Grandes operações de espionagem russas já foram descobertas no passado, inclusive nos Estados Unidos, em 2010. Desta vez, foi diferente. O objetivo não era espionar o Brasil, mas, sim, tornar-se brasileiro. Sob o disfarce de identidades confiáveis, os agentes depois partiam para os EUA, Europa ou Oriente Médio para, enfim, começar a trabalhar a sério.
Os russos, basicamente, transformaram o Brasil em uma linha de montagem para agentes secretos, como Shmyrev. Um deles abriu um negócio de joias. Outro era uma modelo loira de olhos azuis. Um terceiro foi admitido em uma universidade americana. Havia um pesquisador brasileiro que conseguiu emprego na Noruega e um casal que acabou indo para Portugal. Mas tudo desabou.
Agentes secretos brasileiros
Nos últimos três anos, agentes de contrainteligência brasileiros têm caçado esses espiões de forma discreta e metódica. Através de um trabalho policial meticuloso, esses agentes descobriram um padrão que lhes permitiu identificar os espiões, um por um.
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Os federais descobriram, pelo menos, nove policiais russos operando sob identidades brasileiras, de acordo com documentos e entrevistas. Seis nunca foram identificados publicamente, por ora. A investigação já abrangeu mais de oito países, segundo autoridades, com informações vindas dos Estados Unidos, Israel, Holanda, Uruguai e outros serviços de segurança ocidentais.
Desmantelar a fábrica de espionagem do Kremlin foi mais do que uma simples ação rotineira de contraespionagem. Foi parte das consequências danosas de uma década de agressão russa. Espiões russos ajudaram a abater um avião de passageiros que vinha de Amsterdã, em 2014. Interferiram em eleições nos Estados Unidos , França e outros lugares. E ainda envenenaram supostos inimigos e planejaram golpes.
Mas foi a decisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, de invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022, que resultou em uma resposta global aos espiões russos, mesmo em partes do mundo onde esses agentes desfrutavam de um certo grau de impunidade há muito tempo. Entre esses países, estava o Brasil, que historicamente mantém relações “amigáveis” com a Rússia.
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A investigação brasileira desferiu um golpe devastador no programa de imigração ilegal de Moscou. Eliminou um quadro de policiais altamente treinados que será difícil de substituir. Pelo menos, dois foram presos e outros voltaram às pressas para a Rússia. Com seus disfarces descobertos, provavelmente nunca mais trabalharão no exterior.
No centro dessa derrota extraordinária estava uma equipe de agentes de contrainteligência da Polícia Federal brasileira, a mesma unidade que investigou o ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, por planejar um golpe.
De sua moderna sede de vidro em Brasília, os agentes passaram anos vasculhando milhões de registros de identidade brasileiros, em busca de padrões. Trata-se da “Operação Leste”.
No início de abril de 2022, poucos meses após as tropas russas entrarem na Ucrânia, a Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA, na sigla em inglês) mandou uma mensagem urgente e à Polícia Federal do Brasil.
Os americanos relataram que um oficial disfarçado do serviço de inteligência militar da Rússia apareceu na Holanda para fazer um estágio no Tribunal Penal Internacional — justamente quando a instituição começou a investigar crimes de guerra russos na Ucrânia.
O aspirante a estagiário viajava com passaporte brasileiro sob o nome de Victor Muller Ferreira. Ele, inclusive, havia se formado na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, com esse nome. Mas seu nome verdadeiro, segundo a CIA, era Sergey Cherkasov. Naquele momento, agentes da fronteira holandesa haviam negado sua entrada, e ele estava agora em um avião com destino a São Paulo.
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Com provas limitadas e poucas horas para agir, os brasileiros não tinham autoridade para prender Cherkasov no aeroporto. Com isso, a polícia o manteve sob forte vigilância enquanto ele permanecia em liberdade em um hotel em São Paulo. Por fim, os policiais conseguiram um mandado e o prenderam — não por espionagem, mas pela acusação mais modesta de uso de documentos fraudulentos.
Sob interrogatório, Cherkasov se mostrou arrogante, insistindo que era brasileiro. E, de fato, tinha os documentos para provar isso: seu passaporte brasileiro azul era autêntico, assim como seu título de eleitor brasileiro, conforme exigido por lei, além de um certificado comprovando que havia cumprido o serviço militar obrigatório.
— Não havia nenhuma ligação entre ele e a Rússia — disse um investigador da Polícia Federal, que falou, assim como outros, sob condição de anonimato porque a investigação ainda está aberta.
Foi somente quando a polícia encontrou sua certidão de nascimento que a história de Cherkasov — e toda a operação russa no Brasil — começou a desmoronar.
No passado, espiões russos frequentemente obtinham documentos de identificação assumindo a identidade de pessoas mortas, geralmente bebês. Não neste caso. Os agentes determinaram que Victor Muller Ferreira nunca existiu. No entanto, ele tinha uma certidão de nascimento verdadeira.
O documento indicava que Victor Muller Ferreira havia nascido no Rio de Janeiro em 1989, filho de mãe brasileira, pessoa real que faleceu quatro anos depois. Mas quando a polícia localizou a família, os agentes descobriram que a mulher nunca teve filhos. As autoridades também nunca encontraram ninguém com o mesmo nome do pai.
Com isso, os agentes começaram a procurar o que chamavam de “fantasmas”: pessoas com certidões de nascimento legítimas, que passaram a vida sem nenhum registro de realmente estarem no Brasil e que apareceram de repente como adultos com identidade.
Para encontrar esses fantasmas, os agentes começaram a procurar padrões em milhões de registros de nascimento, passaportes, carteiras de motorista e números de previdência social. Essa análise, portanto, permitiu que a Operação Leste desvendasse toda a operação russa.
— Tudo começou com Sergei — revelou um alto funcionário brasileiro.
Pessoas especiais de Putin
Todos os espiões, não importa para qual país trabalhem, enfrentam o mesmo desafio: criar uma identidade falsa que resista ao escrutínio. Durante gerações, agentes secretos usaram passaportes falsos, nomes roubados e histórias de fachada bem ensaiadas. A era digital, em que quase todo mundo tem um histórico online, tornou as coisas muito mais complicadas.
Este é um problema particularmente grave para a Rússia. Isso porque, embora todos os serviços de espionagem empreguem agentes secretos, a maioria depende de redes de informantes locais para realizar o trabalho pesado de coleta de inteligência. A Rússia é única. Desde os primeiros anos da União Soviética, agentes secretos se comprometeram com uma vida inteira de serviço, vivendo e trabalhando como pessoas completamente diferentes.
O próprio Putin reconheceu ter supervisionado espiões secretos soviéticos enquanto estava destacado na Alemanha Oriental, como um jovem oficial da KGB, no final da Guerra Fria.
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— São pessoas especiais, com qualidades especiais, convicções especiais e um caráter especial — disse o presidente russo em uma entrevista, em 2017. — Deixar para trás a vida passada, deixar para trás seus entes queridos e sua família, deixar seu país por muitos e muitos anos para dedicar sua vida a servir a pátria, não é algo que todos podem fazer. Somente os escolhidos podem fazê-lo, e digo isso sem exagero.
O Brasil parecia o lugar ideal para os espiões escolhidos por Putin construírem sua tradição. O passaporte brasileiro é um dos mais úteis do mundo, permitindo viagens sem visto para diversos países.
E enquanto muitos países exigem verificação hospitalar ou médica antes de emitir certidões de nascimento, o Brasil permite uma exceção específica para aqueles nascidos em áreas rurais. As autoridades emitirão uma certidão de nascimento para qualquer pessoa que declare, na presença de duas testemunhas, que o bebê nasceu de pelo menos um dos pais brasileiros.
Com a certidão de nascimento em mãos, é só solicitar o registro de eleitor, os documentos militares e, por fim, o passaporte. Uma vez obtido isso, um espião pode ir a praticamente qualquer lugar do mundo.
Empresa brasileira de espião russo
Um dos primeiros nomes a surgir quando os investigadores iniciaram a busca foi o de Gerhard Daniel Campos Wittich. Ele parecia se encaixar no padrão. Sua certidão de nascimento indicava que ele nasceu no Rio em 1986, mas ele parece ter surgido do nada em 2015.
Quando os agentes começaram a investigar, Shmyrev já havia construído uma identidade falsa tão convincente que nem mesmo sua namorada e colegas faziam ideia. Ele falava português perfeitamente, com um sotaque que, segundo ele, era fruto de uma infância passada na Áustria.
Ele parecia dedicar tudo o que tinha à sua gráfica, a 3D Rio, que construiu do zero e com a qual demonstrava genuinamente se importar, segundo antigos colegas. Ele passava longas horas trabalhando no 16º andar de um arranha-céu no Centro do Rio, a um quarteirão do Consulado Americano.
— Ele era viciado em trabalho — disse Felipe Martinez, um ex-cliente da 3D Rio. — Ele pensava grande, sabe?
A empresa se tornou um sucesso, de acordo com um ex-funcionário, conquistando clientes como a TV Globo e as Forças Armadas brasileiras. Mas, segundo amigos e colegas, ele nunca mantinha seu computador conectado à internet quando não o estava usando. E parecia ter mais dinheiro do que seu negócio podia gerar.
Ele fazia viagens repentinas para a Europa e a Ásia e brincava sobre realizar “espionagem industrial” contra concorrentes. Às vezes, se passava por cliente de outras gráficas e, certa vez, enviou um de seus funcionários para estagiar em uma empresa rival e prestar contas.
Ele também parecia ter medo de câmeras. Segundo um ex-funcionário, ele não gostava de sua fotografia e brincava dizendo que poderia estar sendo “procurado pela Polícia Federal”. Shmyrev entrou em pânico quando um jornal brasileiro publicou uma foto dele em frente ao prefeito do Rio na inauguração de um centro de tecnologia, lembrou Martinez.
Para amigos, Shmyrev estava entediado e frustrado com a vida disfarçado.
“Nenhuma conquista real no trabalho”, escreveu Shmyrev em uma mensagem de texto para a esposa, em agosto de 2021, que o The Times teve acesso. “Já faz 2 anos que não estou onde preciso estar.”
Sua esposa, Irina Shmyreva, outra espiã russa que estava na Grécia, não demonstrou compaixão. “Se você queria uma vida familiar normal, bem, você fez uma escolha errada”, respondeu ela.
Mas ela reconheceu que a vida que eles estavam levando não era o que esperavam. “Sim, não é como foi prometido e é ruim. Eles, basicamente, enganam as pessoas e eu vejo isso como algo ruim. É desonesto e nada construtivo”, escreveu Shmyreva.
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Seis meses depois, a Rússia invadiu a Ucrânia. De repente, serviços de inteligência do mundo todo estavam trabalhando juntos e priorizando a interrupção da espionagem do Kremlin. A vida dos espiões russos espalhados pelo mundo foi abalada.
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Primeiro veio Cherkasov, o estagiário que foi preso semanas após a invasão. Depois, Mikhail Mikushin , que estava sob investigação da Polícia Federal brasileira, apareceu na Noruega e foi preso. Dois agentes russos infiltrados foram presos na Eslovênia, onde viviam sob identidades argentinas.
No final de 2022, investigadores brasileiros estavam se aproximando de Shmyrev. No final de dezembro, os agentes estavam quase certos de que haviam descoberto um espião russo disfarçado. Porém, ele escapou do país poucos dias antes de a Polícia Federal descobrir sua identidade.
Se Shmyrev estava assustado, não deu nenhuma demonstração. Numa tarde daquele dezembro, ele jantou com um colega no badalado bairro de Botafogo, no Rio. Parecia tranquilo e disse que estava partindo para uma viagem de um mês à Malásia, segundo o funcionário.
Ele tinha uma passagem de volta datada de 2 de fevereiro de 2023. Assim, os agentes obtiveram mandados de prisão e ordens de busca em seus endereços. Quando Shmyrev desembarcasse em solo brasileiro, eles estariam prontos. Mas ele nunca mais voltou.
‘O que é pior do que ser preso?’
Shmyrev não foi o único espião russo a escapar das mãos dos brasileiros. Toda vez que os agentes descobriam um nome, parecia que já era tarde demais.
Um casal na faixa dos 30 anos, conhecido como Manuel Francisco Steinbruck Pereira e Adriana Carolina Costa Silva Pereira, fugiu para Portugal em 2018 e desapareceu.
Parecia haver um grupo deles no Uruguai. Uma mulher, supostamente chamada Maria Luisa Dominguez Cardozo, tinha uma certidão de nascimento brasileira e, mais tarde, obteve um passaporte uruguaio. E ainda havia outro casal: Federico Luiz Gonzalez Rodriguez e sua esposa, Maria Isabel Moresco Garcia, uma espiã loira que se passava por modelo.
A maior esperança dos agentes brasileiros de prisão pareceu, por um tempo, ser um joalheiro chamado Eric Lopes. A polícia descobriu que ele era, na verdade, um espião russo chamado Aleksandr Utekhin. Seu negócio foi destaque em um programa de televisão brasileiro de 2021 chamado “Empreendedores de Sucesso”, que se referiu a ele como um “especialista em pedras preciosas”.
Em entrevista ao The Times, a apresentadora disse que Lopes havia pago por aquele comercial de televisão. Ele, segundo ela, falava “português gringo” e se recusou a aparecer diante das câmeras.
Quando os agentes federais chegaram às lojas, não encontraram nenhum vestígio de Lopes, nem do ouro ou das pedras preciosas que ele havia anunciado no Instagram. Sua loja em Brasília, agora, é ocupada por uma seguradora. O endereço em São Paulo, em frente a uma unidade da Polícia Militar, abriga uma imobiliária.
Investigadores acreditam que seus negócios existiam apenas como fachada para reforçar suas credenciais brasileiras. Uma autoridade de segurança ocidental disse que, após deixar o Brasil, Utekhin passou algum tempo no Oriente Médio. Sua localização exata é desconhecida, embora autoridades afirmem acreditar que ele e outros estejam de volta à Rússia.
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Não está claro se algum evento assustou os oficiais e os fez voltar para casa. Mas com tanto foco na Rússia após a invasão da Ucrânia, especialistas disseram que talvez os chefes em Moscou concluíssem que o mundo havia se tornado perigoso demais para eles.
Os agentes brasileiros que comandavam a Operação Leste passaram incontáveis horas descobrindo os nomes e ainda não tinham nenhum caso, exceto a acusação de documento falso contra Cherkasov. Mas eles compartilharam o que descobriram com as agências de inteligência do mundo, cujos agentes cruzaram essas informações com registros de agentes russos conhecidos.
O casal que vivia em Portugal sob o nome Pereira, por exemplo, era na verdade Vladimir Aleksandrovich Danilov e Yekaterina Leonidovna Danilova, de acordo com dois oficiais.
O Brasil há muito tempo mantém a neutralidade em relação a divisões geopolíticas. Mesmo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o Brasil manteve uma relação amigável com Moscou. Portanto, o uso do território brasileiro pelo Kremlin para uma operação de espionagem em larga escala foi visto como uma traição. As autoridades queriam enviar uma mensagem.
— Nós simplesmente juntamos as cabeças e pensamos: ‘O que é pior do que ser preso como espião?’ — disse um reconhecido investigador brasileiro. — É ser exposto como espião.
Para isso, os investigadores tiveram uma ideia audaciosa: poderiam usar a Interpol, a maior organização policial do mundo, para queimar os espiões de Putin. Foi uma vingança irônica. Putin, durante anos, manipulou os bancos de dados da Interpol para perseguir dissidentes e oponentes políticos.
No outono passado, os brasileiros emitiram uma série de alertas azuis da Interpol — alertas buscando informações sobre uma pessoa. Os avisos circularam os nomes, fotografias e impressões digitais dos espiões russos, incluindo Shmyrev e Cherkasov, para todos os 196 países membros.
A Interpol, como órgão independente, não lida com questões politizadas como espionagem. Para contornar isso, as autoridades brasileiras disseram que os russos estavam sendo investigados por uso de documentos fraudulentos.
O Uruguai emitiu alertas semelhantes, aos quais o The Times teve acesso, para suspeitos de serem espiões russos que apareceram no país sob identidades brasileiras. Seus nomes verdadeiros, segundo autoridades, eram Roman Olegovich Koval, Irina Alekseyevna Antonova e Olga Igorevna Tyutereva.
Koval e Antonova deixaram o Brasil repentinamente em um voo para o Uruguai em 2023, disseram os investigadores. O último paradeiro conhecido de Tyutereva era a Namíbia.
Os avisos da Interpol não incluem os nomes reais, mas, sim, as fotografias e outras informações de identificação. Com suas identidades registradas em bancos de dados policiais e seus nomes verdadeiros sinalizados por serviços de espionagem, os agentes provavelmente nunca mais poderão trabalhar como espiões estrangeiros.
De todos os espiões, apenas Cherkasov permanece preso. Ele foi condenado por falsificação de documentos e sentenciado a 15 anos de prisão, mas sua pena foi reduzida para cinco anos.
Em uma aparente manobra para fazê-lo voltar para casa mais cedo, o governo russo alegou que ele era um traficante de drogas procurado e entrou com documentos no tribunal pedindo sua extradição. Mas os brasileiros reagiram rapidamente. Se Cherkasov era traficante de drogas, argumentaram os promotores, era essencial que ele permanecesse preso por mais tempo para que a polícia pudesse investigar. Caso contrário, ele já poderia ter sido solto. Mas continua preso em Brasília.
‘Você vai ouvir coisas sobre mim’
Por um tempo, depois de deixar o Brasil, Shmyrev entrou em contato regularmente com amigos e sua namorada brasileira. Mas, no início de janeiro de 2023, suas mensagens de texto pararam.
— Semanas se passaram e não sabíamos o que fazer — contou Martinez, seu amigo.
A namorada de Shmyrev postou em um grupo do Facebook chamado “Brasileiros em Kuala Lumpur” pedindo ajuda para encontrá-lo.
— Começamos como um trabalho de detetive — explicou Martinez. — Fazíamos buscas online. Ligamos para as delegacias, embaixadas, hotéis em Kuala Lumpur, tentando encontrá-lo. E não conseguimos encontrá-lo.
Como Shmyrev não embarcou em seu voo de volta ao Brasil, a polícia interveio. Os agentes descobriram que ele havia deixado para trás vários dispositivos eletrônicos que continham dados pessoais cruciais, incluindo mensagens de texto com sua esposa espiã russa. Ele também deixou US$ 12 mil (cerca de R$ 70 mil) em dinheiro em seu cofre.
Essas são indicações de que ele planejava retornar. Assim como os outros, as questões sobre o que o levou a partir e o que o manteve afastado permanecem um mistério. Por volta dessa época, sua esposa russa deixou repentinamente seu posto de espionagem na Grécia. Ela foi posteriormente denunciada pelas autoridades gregas. Apesar de tudo, amigos disseram que sentem falta dele.
— Às vezes penso que um dia vou para lá, para São Petersburgo — disse Martinez. — Vou estar no balcão. Vou pedir uma vodca. E aí, tipo, ele vai estar do outro lado.
O último contato conhecido de Shmyrev com o Brasil foi um telefonema para a namorada depois que ele partiu.
“Vocês vão ouvir coisas sobre mim, mas precisam saber que eu nunca fiz nada tão ruim. Tipo, eu nunca matei ninguém nem nada parecido”, disse Shmyrev, segundo Martinez. “Meu passado me alcançou”.