Elas são vendidas em pacotinhos que não pesam 1 grama, custam pouco e têm efeitos superpotentes. As drogas K, nome popular dos canabinoides sintéticos, saíram da escuridão em 2023, após a multiplicação de vídeos de usuários sob efeitos das substâncias, que os fazem se comportar de modo que chega a lembrar os zumbis de filmes e séries. O problema acendeu o alerta da saúde pública e da polícia. Dois anos depois, as drogas K não desapareceram. Mas mudaram de endereço.
O problema é mais concentrado em São Paulo, onde houve aumento das internações, principalmente na Zona Leste da cidade. O consumo sumiu da cracolândia mesmo antes da dispersão da concentração de usuários de drogas deste mês, por ser vetado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), enquanto se expandiu em áreas da ZL.
As drogas K surgiram em presídios de São Paulo em 2019. A venda era controlada pelo PCC. Na pandemia, com a restrição do acesso aos presídios, tornou-se uma opção lucrativa de tráfico. A primeira substância a ganhar popularidade foi batizada de K4.
— Ela era borrifada em um papel A4. Uma folha era dividida em 1,2 mil pedaços — diz Tiago Fonseca, promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).
Entre 2019 e 2020, o PCC movimentou R$ 1,5 milhão por mês no sistema carcerário com o tráfico dessas substâncias, segundo o MP-SP. Convulsões e overdoses levavaram ao banimento das vendas, que, no entanto, seguiram em parte das ruas.
Em 2022, foram apreendidos 50 quilos da droga em São Paulo. No ano seguinte, 157 quilos. Em 2024, caiu para 22 quilos. Mas, em 2025, apenas até abril, a quantidade já é de 144 quilos.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/K/6/aqbT34QOmwFbeJy0UkBg/policia-federal-desmantela-laboratorio-em-mogi-das-cruzes.jpeg)
Ao contrário da maconha e da cocaína, com cartéis que centralizam a produção, as drogas sintéticas, com receitas variadas, são feitas por pequenos produtores. Na maioria dos casos, o produto é sintetizado em um líquido e borrifado em folhas secas que são fumadas. São os K2, K9 ou spicy. A matéria-prima pode vir de países como a Índia e a China. Em dezembro, a Polícia Federal (PF) localizou um laboratório em Mogi das Cruzes, na Região Metropolitana de São Paulo, de fabricação das drogas.
— É um mercado dinâmico. O tipo de substância que encontrávamos em 2019 já não aparece — explica Camila Guedes, diretora do Núcleo de Exame de Entorpecentes da Polícia Científica paulista.
Em 2023, as K foram novamente vetadas pelo PCC, dessa vez nas ruas. Uma interceptação telefônica da polícia ouviu líderes da facção proibindo a comercialização por causa dos efeitos nos usuários e a consequente presença de ambulâncias e polícia nos pontos de venda. A substância sumiu em seguida da cracolândia, no Centro, como informam ONGs que atuam na região.
O delegado Carlos Castiglione, diretor do Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes, no entanto, afirma que até 2023 a polícia encontrava drogas K em diversas apreensões. Desde 2024, no entanto, conta, elas “quase sumiram do mapa”.
— Acredito que seja um sinal de diminuição do consumo — diz o delegado.
A exceção foi em janeiro, com boa parte do montante total deste ano encontrado em um único endereço, na Zona Leste da capital.
As internações, porém, não diminuíram. Na capital, saíram de 99 casos em 2022 para 1.098 no ano passado. Desses, 40% foram reportados na Zona Leste. Usuários são vistos nas proximidades de terminais de ônibus e metrôs da região. A prefeitura de São Paulo informou que lida com o problema com uma rede de atenção psicossocial ampliada em 20 novas unidades nos últimos anos.
As drogas K são consumidas em especial por pessoas de baixa renda. Dados do Hub de Cuidados de Crack e Outras Drogas, do governo estadual, apontam que, em janeiro de 2025, 27% dos pacientes atendidos relataram que experimentaram os canabinoides sintéticos.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/n/B/pem6TtTFWKsN6sPEBw8Q/drogas-k.jpeg)
As drogas K ainda são fonte de incertezas entre cientistas sobre os impactos e riscos. Mais conhecida é a sua potência: seria cem vezes mais forte do que a maconha, por exemplo.
— Elas agem no cérebro no mesmo lugar que a maconha, no sistema endocanabinoide. Mas existem ao menos 300 substâncias diferentes chamadas de drogas K — pontua Maurício Yonamine, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).
Já existem, inclusive, relatos de overdose das substâncias. Um desafio é identificar a intoxicação pelo entorpecente no sistema de saúde.
— O teste é mais elaborado e caro — afirma José Luiz da Costa, do Centro de Informação e Assistência Toxicológica, ligado à Universidade de Campinas (Unicamp).
Médicos ressaltam preocupação com o comportamento de alguns usuários.
— Houve um rapaz que se internou, ficou três semanas e, ao sair, não deu cinco minutos fez uso da droga novamente — lembra o psiquiatra Arthur Guerra, especialista em adicção.
Já Dartiu Xavier, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alerta que qualquer comparação com a maconha é perigosa, pois pode levar usuários a acharem que a droga é mais leve do que é:
— Eles vivem uma ruptura com a realidade. Sempre fui muito contra dizer “um zumbi”. Mas, quando vi uma pessoa sobre efeito de droga K, achei parecido também. É algo muito violento.