O concurso World Press Photo, o principal de fotojornalismo do mundo, informou nesta sexta-feira que suspendeu o crédito pela famosa imagem da “Garota Napalm”, anteriormente atribuída a um fotógrafo da Associated Press (AP), em meio a preocupações e dúvidas sobre a autoria da obra suscitadas num documentário.
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A foto em preto e branco da menina vietnamita gravemente queimada correndo nua por uma estrada após um ataque de napalm em Trang Bang, no Sul do país, em 1972, ajudou a mudar a percepção mundial da guerra. Continua sendo, mais de 50 anos depois, um símbolo dos horrores do conflito. Além do World Press Photo, o fotógrafo Huynh Cong Ut, mais conhecido como Nick Ut, foi agraciado com o Prêmio Pulitzer.
Nesta sexta, a World Press Photo divulgou um relatório em que confirma a suspensão da atribuição de “The Terror of War” (The Little Napalm Girl) — nomes originais da obra, em inglês — a Nick Ut “com efeito imediato”.
“Uma análise da World Press Photo indicou que, com base na localização, distância e câmera usada no dia, os fotógrafos Nguyen Thanh Nghe ou Huynh Cong Phuc podem ter estado em melhor posição para tirar a foto do que Nick Ut”, explicou o prêmio, em comunicado.
Este mês, a Associated Press informou que continuaria a dar os créditos a Nick Ut pela famosa imagem, apesar do que chamou de “questões significativas” citadas no documentário, exibido no Festival de Cinema de Sundance dos EUA. A produção, chamada “The Stringer” e dirigida por Bao Nguyen, atribui a foto ao jornalista freelancer vietnamita Nguyen Thanh Nghe, que é entrevistado.
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O advogado de Ut prometeu uma ação de difamação contra os responsáveis pela narrativa e tentou impedir a estreia do filme. Não conseguiu. O documentário “provocou uma profunda reflexão na World Press Photo”, que conduziu uma investigação entre janeiro e maio sobre a autoria da foto, diz o comunicado.
A ideia de realizar o documentário surgiu quando Carl Robinson, o editor de fotografia de serviço no gabinete da AP em Saigon no dia em que a imagem foi captada, começou a falar sobre a proveniência da fotografia. No filme, Robinson diz que recebeu a ordem de escrever uma legenda atribuindo a fotografia a Ut por Horst Faas, o chefe de fotografia da AP em Saigon, duas vezes vencedor do Prémio Pulitzer.
— Comecei a escrever a legenda… Horst Faas, que estava mesmo ao meu lado, disse: ‘Nick Ut. Escreva Nick Ut’ — contou ele.
Depois de entrevistarem Robinson, os produtores identificaram o nome, há muito perdido, de um fotógrafo vietnamita freelancer que aparece noutras fotografias da cena em Trang Bang, a 8 de junho de 1972. Acabaram por encontrar Nguyen Thanh Nghe, que afirma no filme ter a certeza de que foi ele quem tirou a fotografia.
— Nick Ut veio comigo na missão. Mas não foi ele que tirou a fotografia… A foto era minha — diz ele.
Um questionamento levantado em resposta às alegações foi por que o verdadeiro autor demorou tanto tempo a reivindicar a autoria. Robinson diz que, na época, teve medo de perder seu emprego e que, depois, sentiu ser “tarde demais” para falar, até descobrir o nome do freelancer décadas mais tarde. O diretor do filme, Bao Nguyen, aponta que a suposta demora é uma “falácia”: o caso já era conhecido localmente e só tardou a vir à tona, segundo ele, por um “um enorme desequilíbrio de poder no jornalismo” mundial.
Joumana El Zein Khoury, diretora-executiva do World Press Photo, ponderou que “a foto em si é incontestável”. Ela ressaltou que a obra “sem dúvida” representa “um momento histórico real que continua a repercutir no Vietnã, nos Estados Unidos e no mundo todo”.
Apesar da decisão, o prêmio de Nick Ut não foi retirado. Apenas autoria da foto está suspensa “até prova em contrário”, especificou o concurso. “Essa questão continua controversa, e é possível que o autor da fotografia nunca seja totalmente confirmado”.