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Sob pressão, o chefe da equipe econômica buscou a opinião de conselheiros próximos e convocou uma reunião virtual com o seu time. Após debater o impasse, decidiu voltar atrás e retomar a isenção de investimentos no exterior feitos por fundos brasileiros, cuja taxação tinha sido interpretada por agentes financeiros como uma tentativa de controle de capital.
A confusão foi além da Faria Lima e também atingiu o governo. Integrantes do Palácio do Planalto criticaram reservadamente Haddad por não ter discutido uma estratégia de comunicação para evitar ruído. Ao GLOBO, o ministro da Fazenda afirma que a medida foi debatida “na mesa do presidente Lula”, que “convoca os ministros que ele considera pertinentes para o caso”.
O chefe da equipe econômica diz ainda que a “regularização do IOF está sendo estudada há bastante tempo” e destaca que está “sempre reavaliando medidas regulatórias” da pasta.
Na sexta-feira, o senhor disse que no governo anterior a alíquota para os cartões era mais alta. Mas a gestão atual interrompeu um processo gradual de redução dessas tarifas. Na prática, Lula está aumentando imposto?
É fácil reduzir a alíquota para o governo seguinte. Interromper o ciclo de queda é aumento de imposto? Acredito que não. É muito fácil propor redução de imposto para os governos seguintes, assim como o governo anterior contratou gastos para o governo seguinte. Vários gastos do governo anterior estão sendo pagos por este. Como é que reduzindo o imposto do governo anterior eu vou pagar os gastos adicionais que o governo anterior contratou? Parece não ter lógica.
Com a resistência do Congresso em aprovar aumento de receita, a escolha do IOF para reforçar os cofres públicos envolve cálculo político?
Na verdade, o próprio Congresso tem se mostrado aberto a rever o gasto tributário (renúncia fiscal) que está cada vez maior no Brasil. Se pegar a última Dirbi (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária) que divulgamos, é um escândalo o que está acontecendo de gasto tributário no Brasil.
E nós estamos dando ao público o CPF, o CNPJ (dos beneficiados). O Congresso deve estar observando que os gastos tributários no Brasil estão atingindo patamares inéditos. Essa regularização do IOF está sendo estudada há bastante tempo. Nós fizemos (o decreto) pela oportunidade de fazer um combo, prevendo (aumento de) receita, bloqueio, contingenciamento (de gastos), mas essas medidas estão sendo analisadas há mais de um ano.
Após o recuo em parte das alíquotas do IOF, pode haver outra revisão das medidas?
Medidas regulatórias são calibradas ao longo do tempo sem que sequer percebam. A todo instante, estamos calibrando CRI, CRA (certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio), LCI, LCA (letras de crédito imobiliário e do agro) e o IOF.
Tem várias calibragens que são feitas ao longo do tempo e que passam despercebidas, mas são feitas para acertar o ponto de equilíbrio daquilo que pretendemos. Neste momento, foi feita uma avaliação de um tópico que chamou a atenção e que, na nossa opinião, passava uma mensagem equivocada.
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Então, o senhor desconsidera recuar em outros pontos das medidas anunciadas?
Recebemos um tópico e fizemos uma revisão. Mas o diálogo com a sociedade é permanente. Estou sempre reavaliando as medidas regulatórias da Fazenda para atingir os objetivos da política econômica.
Mesmo o aumento do IOF nas remessas de pessoas físicas e na compra de papel moeda não são medidas de controle de capital?
Acredito que essa sensação se dissipou com a revisão que foi feita. Um dos objetivos da revisão era dissipar essa ideia, que nunca esteve no horizonte do governo, de estabelecer esse tipo de controle. Penso que o decreto em geral está certo, e a medida tópica que gerou a especulação sobre as intenções do governo foi revisada correta e tempestivamente. Justamente para evitar esse tipo de insinuação.
Deixei claro: o que aconteceu em dezembro com a questão do Imposto de Renda não era justificável (quando o mercado reagiu à isenção do IR para salários de até R$ 5 mil mensais), porque o projeto está redondo do ponto de vista fiscal. Mas o que aconteceu agora é justificável. Por isso, atendemos prontamente ao pleito depois de uma revisão técnica. É assim que, na minha opinião, devemos proceder.
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O esforço de contenção de gastos foi eclipsado por uma medida malvista pelo mercado. A Fazenda errou na forma como fez o anúncio?
Acho que não. O conjunto de medidas é de aproximadamente R$ 54 bilhões. Com relação à especulação de controle de capitais, a medida foi reavaliada e reprocessada na publicação do Diário Oficial antes da abertura do mercado. Não acredito que isso desmereça a construção que foi feita. Não corrigir depois das informações prestadas seria um erro.
Membros do governo avaliam que o caso gerou descrédito na equipe econômica, que não avaliou os impactos da medida. Como o senhor vê essa crítica?
Acredito que é o contrário. Quanto mais você dialoga, é franco e humilde em relação aos temas, mais constrói reputação. Inclusive para o momento em que não reconhece mérito nas críticas e avança, como a taxação de fundos offshore (no exterior), de fundos fechados e reforma da renda, em que nós não recuamos, porque entendemos que eram justas as propostas.
Eu penso que, tanto de um lado quanto de outro, mostrar determinação para fazer o que é certo e rever aquilo que pode gerar problemas para a economia brasileira são posturas que se espera de uma equipe séria. Não consigo nem enxergar outra conduta alternativa a essa.
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Por que a Secretaria de Comunicação Social do governo não participou da estratégia de divulgação da medida?
A comunicação nunca participou dos relatórios bimestrais (de avaliação de receitas e despesas, como o da última quinta). Ela é que julga a pertinência de se envolver num tema ou outro. Isso foi debatido na mesa do presidente. E o presidente convoca os ministros que ele considera pertinentes para o caso. Essa é a atribuição do presidente da República.
Depois que a medida foi anunciada, Lula chegou a falar com o senhor?
Não falei com o presidente. A minha decisão (de recuar) foi absolutamente técnica. Foi tomada horas depois do anúncio, assim que me chegaram as informações sobre o problema. Antes de mais nada, chequei com pessoas em que eu confio para saber se aquelas informações estavam corretas. E assim que eu identifiquei que havia um problema, reuni virtualmente a equipe para redigir o ato de correção.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, participou das discussões das medidas?
Fizemos uma longa discussão no gabinete sobre muitos assuntos. Esse tema foi tratado, mas o Gabriel não participou da elaboração do decreto nem leu o documento. A redação do ato não passa pelo Banco Central.
O Planalto chegou a consultar Galípolo sobre a medida?
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A economia cresce acima das expectativas, os empregos estão em níveis recordes, há melhora na renda das famílias. Por que isso não se reverte em popularidade para o presidente Lula?
A economia sempre vai ser muito importante, mas, no contexto atual, ela não é o todo de uma avaliação. A extrema direita mobiliza uma agenda cultural mais ampla, que transcende a questão econômica. Começou-se a falar da questão do aborto sem que ninguém tivesse proposto mudar a legislação. As minorias começaram a ser perseguidas, a questão da maioridade penal ganhou expressão, a questão religiosa começou a ser politizada. A economia é importante, sempre foi, mas não é o único fator que vai definir o resultado de uma eleição.
O governo vai lançar medidas econômicas, como vale-gás, redução na conta de luz. Isso não vai contra o esforço do Banco Central (BC) de controlar a inflação?
Se formos nos deixar levar pela conjuntura para corrigir injustiças, não faremos nem uma coisa nem outra. Não existe uma economia robusta no mundo com o nível de desigualdade que a economia brasileira tem. Não faz sentido assumirmos pela quinta vez o governo federal e não tocarmos em algumas feridas abertas.
Por que até os economistas liberais estão defendendo a mudança no Imposto de Renda (IR)? Porque ela é justa. Imagine ganhar mais de R$ 1 milhão por ano e pagar 2% de IR, enquanto a professora de escola pública e o policial militar pagam 10%. Vamos esperar cair a inflação para tomar uma medida estrutural? Porém, a inflação vai surpreender positivamente no final do ano. No ano que vem, vamos estar dentro da banda (de até 4,5%) de novo.
Lula era crítico de Roberto Campos Neto porque o BC não baixava os juros. O BC de Gabriel Galípolo levou a Selic ao maior patamar desde 2006. O senhor e Lula estão satisfeitos com o trabalho do BC?
O ex-presidente do BC manteve a taxa de juros em 13,75% por um semestre no primeiro ano de governo. Só quando ficou demonstrado que a inflação estava dentro da banda ele começou a cortar, já com novos diretores, dentre os quais, o Galípolo. O Galípolo herdou também uma situação.
Ele está no quinto mês de gestão tendo que enfrentar esses dois temas: a contratação do aumento da Selic, do último Copom (Comitê de Política Monetária) do ano passado, e um problema regulatório de proporções razoáveis, que há muito não se via. Se não tivermos essa compreensão, vamos começar a atacar o Galípolo. Nós temos essa compreensão.
Ele não foi convidado para dar um cavalo de pau, porque nós sabemos a delicadeza que é lidar com a confiança das pessoas, dos investidores. Galípolo saberá fazer a transição corretamente para que haja harmonia entre fiscal e monetário.

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As projeções iniciais do governo para o Orçamento de 2027 indicam falta de recursos para gastos mínimos em saúde e educação e para despesas não obrigatórias. O plano da Fazenda para reverter esse cenário inclui corte de despesas obrigatórias e revisão dos pisos constitucionais?
Não estamos trabalhando nisso neste momento. Fizemos um conjunto de medidas no final do ano passado. Nem todas, infelizmente, foram aprovadas. E algumas eram muito importantes. Está havendo uma judicialização do BPC (Benefício de Prestação Continuada) em uma escala preocupante. Para nós, é uma política fundamental, mas a maneira como está sendo conduzida pelo Judiciário inspira cuidados.
Assim como defendo que BC e Fazenda se harmonizem, os Poderes também têm de se harmonizar. Se o benefício é dado para quem não está constitucionalmente amparado, esse dinheiro vai faltar para alguém.
E o que o governo fará para manter o arcabouço fiscal de pé?
Não abro mão de nada. Não há bala de prata para resolver um problema do tamanho do Brasil. Desde 2015, nós estamos com déficit estrutural. Queremos vencer essa etapa, mas depende muito mais do Congresso.
Hoje nós vivemos um quase parlamentarismo. Quem dá a última palavra sobre tudo isso é o Congresso. Não era assim. Um veto presidencial era uma coisa sagrada. Derrubar um veto do presidente da República era uma coisa que remotamente era pensada. Hoje é uma coisa: “Vamos derrubar?” E derruba.

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Há também um problema na base do governo?
Não acho que seja um problema de base e partidário. Está havendo uma mudança institucional no país. O poder está mudando de mãos. Isso aconteceu no governo Jair Bolsonaro, que terceirizou o governo para o Congresso. Não faltava base. Faltava poder. Está um pouco mais equilibrado hoje, mas está longe do que já foi. Nos governos Fernando Henrique e Lula, havia presidencialismo. Hoje, há uma variante disso, que muita gente já chama de parlamentarismo, de semipresidencialismo. É outra coisa.
Lula disse que é um “separador” de brigas entre o senhor e o ministro Rui Costa. Por que o senhor e o chefe da Casa Civil se desentendem tanto?
Isso já foi verdade. Acredito que no começo do governo nós tínhamos duas linhas um pouco diferentes. Mas isso foi se alinhando. Não vejo problema em divergir. A Gleisi (Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais) estava lá na presidência do PT e divergia. Hoje, está no governo e tem tentado ajudar. Quem não convive com a adversidade não está preparado para a vida pública.

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Gleisi e Rui Costa estão mais alinhados com o discurso do aumento do gasto para retomada da popularidade do presidente. Isso interfere na agenda econômica?
Não está rolando isso. Seria injusto se eu dissesse. Ninguém está pressionando em nada por gasto. Começou um ano atrás essa discussão sobre setor elétrico. Eu falei: “Não tem orçamento pra isso”. Demorou um tempo, mas chegamos a um entendimento. No momento que eu falo “vai ter que ser de outro jeito”, gera uma rusga. É natural. Não ganho todas.

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O senhor acha que o PT hoje está pronto para não contar com Lula caso ele decida não ir para a reeleição?
Acredito que isso está fora de cogitação. Estamos a um ano do começo do processo eleitoral. É muito pouco tempo. Não vejo como nesse período rever essa provável decisão.
Como alguém que ajudou a construir a chapa Lula-Alckmin, acha que ela deveria ser mantida ?
Seria natural. O Alckmin tem sido um grande parceiro do presidente Lula. Uma pessoa honrada, uma pessoa séria, uma pessoa comprometida, uma pessoa leal. O tempo deu razão à decisão do presidente de convidá-lo para a chapa. Foi uma decisão acertada. Significou muito em 2022 e tem significado muito.
O senhor pretende deixar o cargo em abril para concorrer na eleição de 2026?
O presidente nunca me perguntou sobre isso. Mas manifestei para a direção do PT, com bastante antecedência, que não tinha a intenção de ser candidato em 2026.
Em algum momento desses dois anos, o senhor pensou em deixar o cargo?
Não funciono assim. Para mim, fazer uma entrega é um objetivo. Estamos fazendo entregas relevantes: recompondo o orçamento da saúde, da educação, valorizando o salário mínimo, garantindo o pleno emprego, taxas de crescimento superiores à média do período anterior. Depois fica o legado: a Reforma Tributária, a reforma da renda, do crédito. São coisas que me satisfazem. A permanência no cargo tem a ver com isso.