Depois de dois dias em silêncio a respeito da fuga e da ordem de prisão da deputada Carla Zambelli (PL-SP), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), confirmou pelas redes sociais na noite da última quinta-feira (5) ter autorizado que ela se licenciasse do mandato. Minutos depois, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), disparou no WhatsApp um vídeo comemorando a medida. A própria licença de Zambelli foi a jato. O pedido foi protocolado na quinta e em poucas horas já estava deferido. No caso de Eduardo Bolsonaro, por exemplo, levou quatro dias após ser anunciada.
Todo esse movimento tinha um propósito: encerrar dias de tensão nos bastidores da Câmara e na bancada do PL e evitar mais uma crise com o Supremo.
A possibilidade de um conflito começou a se anunciar no momento em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acatou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinou a prisão preventiva da deputada por fugir do Brasil, após ser condenada a dez anos de prisão e à perda do mandato por invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o apoio do hacker Walter Delgatti Netto.
De acordo com o artigo 53 da Constituição, parlamentares no exercício do mandato só podem ser presos em flagrante e por crime inafiançável, e os autos devem ser encaminhados à Câmara em 24 horas para que os deputados votem se autorizam ou não a prisão.
Veja fotos da deputada Carla Zambelli
.
Mas Moraes não decretou prisão em flagrante e sim preventiva, o que é controverso, já que na opinião da bancada do PL e de alguns juristas ouvidos pela equipe da coluna se trataria de uma decisão inconstitucional. Além disso, Moraes só encaminhou os autos sobre Zambelli para que a Câmara bloqueasse os vencimentos da deputada e do seu gabinete na Casa – ponto sobre o qual também há polêmica, já que o Supremo afirma que o que deve ser comunicado é prisão e não a decisão de prender, mas parte dos deputados avalia que o comunicado deveria ser feito já desde a decisão.
Em outros casos de prisão, como o de Daniel Silveira (PTB-RJ), os parlamentares da direita se rebelaram contra o Supremo e o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a questionar a prisão, classificando como uma “intervenção extrema” .
Mas apesar da indignação nos bastidores com o que consideraram “abuso” de Moraes, a bancada do PL se dividiu. Parte achava que era necessário apoiar publicamente a deputada e encampar uma ofensiva contra o Supremo, e outra ala preferia tentar uma saída que não passasse por mais desgaste com Moraes.
A razão era a própria Zambelli. Na avaliação de uma ala bem influente do partido de Jair Bolsonaro, não valeria a pena comprar briga com o Supremo por uma aliada “imprevisível” e “incontrolável”.
Vários criticaram a forma atabalhoada com que ela deixou o país, anunciando que pediria licença do mandato ao mesmo tempo que admitia estar fugindo da Justiça — e ainda conceder entrevistas no meio do caminho (nos Estados Unidos) avisando qual seria o seu destino final (Itália), para iniciar uma “campanha internacional” contra o STF.
Na explicação que esses deputados deram a interlocutores, se Zambelli não conseguiu nem se coordenar durante a fuga, mais difícil ainda seria organizar com ela uma estratégia eficiente de resistência ao Supremo.
Além disso, a deputada enfrenta resistência em seu próprio campo político, em especial depois de ter perseguido um homem negro apoiador de Lula com uma arma em punho nas ruas de São Paulo na véspera do segundo turno, em 2022. O ex-presidente Jair Bolsonaro atribui até hoje sua derrota ao episódio.
Ainda assim, houve quem ensaiasse uma ofensiva contra o STF, com o mote “Não é pela Zambelli” – ou seja, deixando claro que o esforço era em defesa do mandato parlamentar, e não da figura da deputada. Nikolas Ferreira (PL-MG) foi um dos que fez postagens dizendo que “não precisa gostar dela para admitir que é ilegal”.
Diante do impasse, Hugo Motta – que vinha evitando se manifestar sobre a prisão – costurou uma solução: se Zambelli já estivesse licenciada, a controvérsia em torno da ilegalidade ou não da decisão de Moraes acabaria, uma vez que ela já não estaria mais no exercício do mandato. Já estava inclusive marcado para esta sexta-feira o julgamento em que foram rejeitados os embargos da defesa da deputada no Supremo, confirmando o trânsito em julgado da condenação.
A estratégia atenderia a todos e resolvia o impasse, mas havia um problema: embora tivesse anunciado na terça que pediria licença, até a quinta-feira Zambelli não havia protocolado nada no sistemas da Câmara, o que levou aliados a procurá-la para que o fizesse o quanto antes.
Foi só aí que o pedido de licença de 127 dias – 7 por razões médicas e 120 para tratar de interesses particulares – foi apresentado e autorizado em poucas horas. Logo em seguida, Motta fez sua declaração. Ao mesmo tempo, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, divulgou o vídeo em que presta solidariedade “à nossa guerreira deputada Carla Zambelli” e dá as boas vindas ao suplente, Coronel Tadeu, que “continuará as mesmas lutas pelos mesmos valores”. Para alívio de Motta e de sua bancada, não disse palavra sobre a prisão ou sobre o Supremo.